Um mês desempregado
TLDR:
Fui demitido após 6 anos de trabalho em uma empresa que foi adquirida por outra companhia.
A empresa passou por mudanças estratégicas, incluindo redução de custos e venda para uma empresa europeia. Apesar das promessas de que mudanças só ocorreriam em 2025, demissões em massa aconteceram antes.
Me senti aliviado com a demissão, pois vinha enfrentando crises de ansiedade devido às incertezas.
Estou aproveitando o período para realizar uma cirurgia, ler livros e assistir séries.
Enfatizo a importância de se preparar financeiramente para situações de desemprego e alerto sobre a saturação do mercado de tecnologia e a necessidade de pensar no futuro.
Caso queira saber mais detalhes, leia o texto abaixo.
No dia 17/09/2024, fui chamado pelo CTO da empresa onde trabalhei por 6 anos para "tirar uma dúvida". Desconfiei, até porque nunca fui chamado naquele horário para esse tipo de conversa. E estava certo! Fui demitido da empresa (prefiro não citar o nome) na qual entrei como desenvolvedor sênior e saí como coordenador (ou team lead, se preferir em inglês) e aprendi demais com todos que convivi durante esses anos, principalmente por ter tido a oportunidade de enfrentar novos desafios. Sou grato, óbvio!
Resolvi fazer o resumo de como me senti durante esse primeiro mês desempregado. Espero que sirva de suporte para as pessoas que vêm passando por esse tipo de situação.
Contexto
Vou simplificar para chegar ao foco principal deste "artigo".
A empresa na qual trabalhei por 6 anos fazia parte de um portfólio de empresas de uma grande empresa do outro lado do mundo. Essa companhia tem negócios na Ásia, Oceania e tinha também América Latina (Brasil e México). Posso dizer que é considerada uma das maiores no ramo.
Algum tempo atrás, essa empresa mudou a pessoa responsável por administrar os negócios das subsidiárias na AL. Na época dessa mudança, comentei com algumas pessoas que algo iria acontecer. Estrategicamente, ouvimos que seria necessário alcançar o break-even e aumentar o número de pessoas assinando os serviços da plataforma. Toda empresa é assim, nada de anormal. Passaram-se alguns meses e houve reduções de custos com eliminação de serviços externos que não eram mais usados ou substituição por serviços menos caros. Ex.: Browserstack.
Alguns meses se passaram e tudo parecia ocorrer bem, pelo menos era o que a gente acreditava. Ouviamos da “alta gestão” que estava tudo bem, que tudo estava caminhando como esperado que era para continuarmos buscando a economia e ações para trazer mais usuários pagantes. Em algum momento, as reduções dos custos operacionais surtiram efeito, conseguimos atingir o break-even. Sim, a empresa não estava mais gastando o que não tinha. Pelo menos foi isso que nos informaram.
Vou dar um salto para maio de 2024. De surpresa, fomos comunicados que a empresa estava sendo vendida para outra companhia. Nesse caso, seriamos agora parte de um grupo de empresas de uma companhia europeia. Inclusive, essa companhia é dona de uma das concorrentes direta. Não é mais. É fato que quando há esse tipo de aquisição, ainda mais sendo empresas no mesmo segmento e público, em algum momento haverá reestruturação. Em uma reunião com o novo dono, onde estava pessoas presentes fisicamente e remotas, o novo dono trouxe quais eram as expectativas, algumas percepções de futuro, mas nada tão maduro. Além disso, enfatizaram que as futuras mudanças só aconteceriam em 2025 (vai vendo!). Nunca vou esquecer o momento mais “impactante” desse dia. Fomos informados que o trabalho remoto continuaria. As pessoas ficaram super animadas! Foi o momento em que as pessoas bateram palmas por minutos. Ouviram-se até gritos de “uhuuuu”. Foi engraçado!
Demissão em massa
Passados alguns meses, meu time, que atuava no segmento B2B, era responsável por uma integração importante para a plataforma de ATS da nova empresa. Mesmo na correria, priorizamos essa integração. Era algo que tinha data para ser entregue e as expectativas eram grandes para que tudo estivesse integrado no prazo esperado. Eu, mesmo sendo coordenador, nunca deixei de atuar como desenvolvedor e sempre que podia, participava das atividades para ajudar meu time. Tínhamos várias frentes de trabalho e poucos braços; nessas situações, precisamos ajudar como podemos. Abri alguns pull requests, revisei alguns códigos e continuei garantindo que meu time permanecesse engajado. E eles estavam!
Novamente vou dar um salto e ir direto para o dia 17/09/2024.
Geralmente, eu começava a trabalhar às 9h. Abria o Slack, checava os e-mails, a agenda do dia, verificava o dashboard de acompanhamento de performance do time, etc. Nesse dia, recebi uma mensagem do CTO no Slack. Na mensagem, sem exagerar, fui chamado para "tirar uma dúvida". Estranhei, mas já tinha entendido do que se tratava, até porque nunca recebi mensagem dele nesse horário e principalmente para tirar uma dúvida. Em poucas palavras, fui comunicado que estava deixando a empresa. Já passei por esse tipo de situação antes e as pessoas que precisam comunicar tentam ao máximo amenizar a situação. Querem trazer segurança às pessoas, já que elas estarão deixando o dia a dia e o ganha-pão mensal. Compreensível. Passei alguns anos na empresa e, mesmo não lidando diretamente com o CTO, minha participação em diversos debates importantes me fez ter algum tipo de destaque. Não vou esquecer meu apelido: Celestino, o questionador. 😄 E isso foi enfatizado positivamente no desligamento. Legal, vida segue!
Sinceramente, me senti aliviado. Gostava do que fazia, das pessoas que trabalhava, do ambiente colaborativo, mas com o aumento das incertezas após a aquisição pelo novo dono, crises de ansiedade bateram em todo mundo. Em mim, vinham mais forte todo início de mês. Eu ficava esperando ser chamado no Slack para "tirar uma dúvida". Acabou essa sensação! Aquele ditado "foi bom enquanto durou" foi real para mim.
Fui me despedir do meu time no grupo do WhatsApp e, para minha surpresa, outras pessoas estavam sendo demitidas. Do meu time, duas pessoas ficaram (o especialista e um dev pleno que estava de férias). O time fazia entregas importantes, trouxemos resultados positivos para a empresa, mas com a reestruturação — que só aconteceria em 2025, vale lembrar — resolveram encerrar. Acontece!
Outros times de tecnologia e outros setores também foram impactados. Passei a acompanhar via LinkedIn e a cada momento recebia atualização de status, inclusão do selo "Open to Work" na foto do perfil, alguns fazendo textos de despedidas, etc. Pessoas boas e competentes que, com certeza, logo estarão em novos desafios profissionais. Se tiver interesse em conhecê-las profissionalmente, montamos uma planilha com o contato: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1iREXbL2n5x45pKoOBvIMPn5hhsegk6fBIJqCjkREQRo/edit?gid=0#gid=0
Novos ares
No primeiro dia, você fica querendo se empregar rapidamente. A sensação de que precisa ocupar logo a mente com um emprego que te pague mensalmente bate forte demais. Não sei se foi o destino, mas, por incrível que pareça, no dia anterior (16.09) à minha demissão, recebi um contato de uma recrutadora sobre uma oportunidade de trabalho em uma empresa daqui da minha cidade (Salvador, Bahia). Respondi e fiz todo o processo. Consegui a vaga em uma semana. Achei impressionante! O processo foi muito bom, conduzido de maneira humana e assertiva. Demorei alguns dias para dar uma resposta se aceitaria ou não. A recrutadora e a empresa foram bem compreensíveis. No fim, decidi continuar desempregado, ou melhor, me energizando (soa estranho, mas é real). Precisava fazer uma cirurgia importante, e fiz! Precisava ler os livros pendentes, li um até agora (🤦). Queria poder assistir séries e filmes salvos nas diversas listas nos streamings, já assisti muitos. Fazer isso tudo sem precisar me preocupar é algo energizador; acredito que todo mundo precisa passar por isso, nem que seja por um mês (faça nas férias, por exemplo).
Muitos que leram até aqui podem estar se perguntando se não tenho contas, dívidas, etc. Posso dizer que hoje estou bem. Tudo controlado e organizado para ficar um bom tempo sem me preocupar. Acompanho o subreddit /r/brdev e o que mais vejo por lá são pessoas comentando que o mercado está saturado, que tem muitos profissionais com anos de experiência que não estão conseguindo emprego, etc. Me assusta, claro, mas também percebi que muita gente no mercado de tecnologia não pensa/pensou no futuro. Olha que fui aprender tarde a investir, mas ver pessoas com 10, 15 anos de experiência escrevendo posts em rede social alegando passar fome, só mostra o quanto as pessoas ainda não se conscientizaram de que nada é para sempre. Não quero julgar ninguém, até porque desconheço a realidade de muitos; cada um tem seu estilo de vida, seus objetivos, sonhos, etc. Mas pensar que estará sempre recebendo seu salário de 10k, 15k, 20k e não pensar no futuro, pode e está frustrando muita gente na área de tecnologia. É complicado pensar que muita gente acredita que estará na ativa para sempre.
Como todo "guru de investimentos" costuma dizer: faça sua reserva de emergência. Independentemente do valor que consiga adicionar mensalmente, crie o hábito de guardar dinheiro. No futuro, se enfrentar uma demissão, você se sentirá mais tranquilo por um período, pelo menos.
Quanto ao meu futuro, continuo participando de processos seletivos. Agora posso ser mais seletivo com as oportunidades, focando em empresas nas quais acredito, não apenas naquelas que oferecem um salário x ou y. Em breve, espero estar de volta ao mercado e torço para que todos os afetados na antiga empresa também encontrem novos desafios. Até lá, vou continuar colocando a leitura em dia, assistindo a séries e filmes, fazendo cursos e aproveitando meus dias de desempregado.